sexta-feira, 11 de julho de 2014

Olhar "Nossa Senhora da Misericórdia" 

Artigo publicado no jornal electrónico Mares de Sesimbra, a propósito do quadro Nossa Senhora da Misericórdia exposto no Núcleo Museológico da Capela de de Nossa Senhora dos Mareantes.


Nossa Senhora da Misericórdia atribuído a Gregório Lopes (Vídeo da CMSesimbra)

Inserida nas comemorações dos 10 anos do Núcleo Museológico da Capela do Espírito Santo dos Mareantes decorreu no passado dia 6 de Junho uma palestra integrada no Ciclo de Conversas Sobre os Grandes Artistas.
Fernando António Baptista Pereira, Professor da Faculdade de Belas-Artes e do Centro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes, ligado desde a primeira hora à criação do Núcleo Museológico abordou o tema “A Pintura de Nossa Senhora da Misericórdia no contexto da obra do pintor régio Gregório Lopes”.

Partido da atribuição, unânime entre historiadores da arte, a Gregório Lopes (1490?-1550) do quadro « Nossa Senhora da Misericórdia» expostos na Capela de Nossa Senhora dos Mareantes e actualmente em fase de restauro, o palestrante revelou um pouco dos primeiros passos do artista.
Já em 1514 aparece a trabalhar na oficia do pintor régio Jorge Afonso, local onde o jovem artista poderá ter descoberto o seu amor pela pintura ao mesmo tempo que descobria o seu amor pela jovem Isabel, filha do mestre.


Não sabemos se foi o desejo de estar perto do mestre ou de Isabel, mas o certo é que em 1515 Gregório Lopes comprou casas e terrenos paredes-meias com a oficina de Jorge Afonso situada junto da Igreja de São Domingos.
Entre 1530 e 1535 já casado com Isabel Afonso, nomeado pintor régio de El-Rei D. João III e ordenado Cavaleiro da Ordem de Santiago, terá pintado a obra no centro da palestra, «Nossa Senhora da Misericórdia». Embora sem haver documentos que o comprovem, tudo indica por encomenda de D. Jorge de Lencastre, irmão bastardo do rei e Mestre da Ordem de Santiago que na época vivia em Palmela.

Apesar do cheiro a especiarias que perfumava Lisboa nessa época, um surto de peste, o terramoto de 1531, a crise financeira de 32 e a fome generalizada no país em 35 não deixam margem para dúvidas - viviam-se tempos difíceis! Neste contexto as Misericórdias, “inspiradas no modelo assistencial desenvolvido em Florença”, estabelecidas no nosso território em 1498 por influência da rainha D. Leonor, paralelamente com as acções de carácter mutualista das associações de Confraria, constituem-se como pilares de uma assistência espiritual e material aos pobres e desprotegidos.

Numa época em que pouca gente sabia ler era preciso dotar as igrejas de imagens que penetrassem directamente na alma dos crentes, libertadas do escolho da palavra escrita.
Nobres e endinheirados competiam na encomenda e doação de obras destinadas a decorar capelas e locais de reunião, em troca procuravam o reconhecimento da sua nobreza ou um estatuto que a sua origem familiar não transportava.

Neste contexto podemos inserir o quadro «Nossa Senhora da Misericórdia» obra de grande qualidade artística que “pode figurar ao lado das grandes pinturas expostas nos nossos maiores museus” e cuja iconografia nos remete para o culto de Nossa Senhora da Misericórdia.

Nossa Senhora protege com o seu manto a sociedade da época. De um lado o clero representado por figuras transportando os símbolos do papa, dos bispos acompanhados por frades com as veste típicas da época. Do outro lado a representação da nobreza, o imperador, imperatriz, o rei, a rainha. Precisamente neste ponto surge um elemento que torna obra ímpar, trata-se de uma das primeiras representações, neste tipo de obras, da classe trabalhadora na figura de um camponês que segura uma foice e um molho de espigas.

Embora sem a original referência às classes laboriosas, esta obra não se afasta muito, em termos iconográficos, sem que com isso perca valor artístico, de uma outra com idêntico titulo da autoria de Jan Provoost (1462-1525/29) pintor renascentista da Flandres. A encomendada terá sido feita entre 1512 e 1515 por um rico mercador madeirense e destinada à capela de S. João de Latrão nas terras da Gaula. Este “Tríptico de Nossa Senhora da Misericórdia” após restauro recente está hoje exposto no Museu Nacional de Arte Antiga.

José Gabriel, 15 Junho de 2014

Nossa Senhora da Misericórdia por Jan Provoost

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